A METÁFORA DA ÁGUA NA POESIA DE GRAÇA PIRES: MEMÓRIA, INFÂNCIA E SOLIDÃO
Por Lourdes Divina Ortiz de Camargo
Considerações finais da dissertação de pós-graduação strictu sensu em língua, literatura e interculturalidade (Universidade de Goiás, Brasil)
Elegendo como abordagem central da pesquisa o conjunto da obra literária de Graça Pires, nosso objetivo foi realizar um estudo sobre a metáfora da água na poesia dessa poeta portuguesa contemporânea. Fez-se uma viagem pelos caminhos das águas, matéria-prima fluida e por vezes incontida que evoca memórias várias: a infância, a solidão, as perdas.
Apreender a poesia na obra desta poeta foi tarefa que demandou sensibilidade e perspicácia, pois sua escrita, apesar de se mostrar de certa forma tímida, é engendrada de temas que abordam as aflições, as dores, a solidão e a inquietude do homem do século XXI. Há a presença de uma voz que assinala a relação da poeta com sua experiência vivida no espaço geográfico frente ao mar.
Pode-se chamar, dessa forma, de poesia fluida, poesia-água por tudo que compõe a temática e a forma predominantemente livre da versificação, pela sacralização da sensibilidade lírica, da linguagem fluida que busca a liberdade dentro e fora das margens. A liberdade da escrita de Graça Pires não se faz de forma aleatória, pois há nos seus textos um rigor de pontuação e uma construção arquitetônica do fazer poético.
Nada é ao acaso em sua produção, cuja obra poética possui um corpo de dezoito livros, sendo o último deles publicado em março de 2020, e a maioria premiada por sua qualidade. Sua temática diversa mostra, ao mesmo tempo, uma predileção pelo elemento água, essa matéria que sacraliza a vida no momento do batismo e, a partir de então, intenciona trazer o homem para junto de si mesmo e da divindade que, em tese, o criara: Deus e deuses, em tempos diversos, estão na base da existência, da vida.
Graça Pires se dizia batizada em nome do mar por sua mãe, em cuja voz havia barcos. Esses barcos desenhariam o horizonte a se abrir adiante, e o mar simbolizaria o impulso à poética interior, a inspiração onírica, os devaneios, a metáfora suprema vestindo a linguagem, o verso, a poesia.
A água presente em seus poemas se inscreve na semântica da vida e da solidão, da infância e das perdas, das viagens interiores: mas se a viagem inscreve na pele o destino, também leva à infância, como o ir e vir das ondas revoltas. A água leva, mas também traz à medida que evoca memórias. O antigo e o novo se encontram na superfície e nas profundezas das águas. Lá, o passado, a infância perdida, aqui, a solidão das perdas.
Em seus versos, o antigo e o novo coexistem, sempre com o rosto revigorado e surpreendentemente inovador, como postula o pesquisador Alexandre Bonafim em um dos textos avulsos escritos sobre a poeta da solidão.
Por fim, a água na obra de Graça Pires pôde ser entendida como o elemento que vai do sagrado ao profano, sendo o líquido que carrega a vida e morte, parte que compõe toda a natureza e o ser humano.
Esta pesquisa bibliográfica, portanto, se inscreve sob o signo da relevância à crítica literário-acadêmica, por contribuir para o conhecimento e a análise universal da poesia portuguesa contemporânea e da obra de Graça Pires. Sua contribuição, certamente, se somará a futuras pesquisas a respeito da poética fluida cuja matéria-prima é a metáfora da água.
A pesquisa possui relevância acadêmica pelo fato de que há poucas publicações cujo estudo adota como objeto a obra poética dessa autora. Desse modo, ao eleger sua produção como objeto de pesquisa deste trabalho de investigação, tivemos a certeza de que abrimos caminho não apenas para outros olhares sobre a produção dessa autora, mas também para a importância da pesquisa acadêmica nas humanidades de modo geral e na literatura em língua portuguesa de modo específico.