Da obra “A Solidão é como o Vento”, por Manuela Barroso
Da obra “A Solidão é como o Vento”
De Graça Pires
O sol e o vento falam apenas de solidão, diz Albert Camus.
Quem diria que também o sol lembraria a solidão? Seria mais comum e mais razoável ver no sol, uma das mais dilectas companhias, no entanto tudo obedece ao critério de quem vê, dependendo do estado de alma. A solidão está quase sempre aliada ao silêncio, que também é como o vento na medida em que atiça os grandes mal-entendidos e só extingue os pequenos (cit. Elsa Triolet).
Daí que solidão e silêncio tanto podem contribuir para a criação de grandes obras – nos mais variados campos artísticos – como as mesmas serem atraiçoadas pelo vento.
Mas a solidão é conivente com o silêncio, pois é com ela que este se faz mais presente, e é com esta presença que os ventos da imaginação encontram terreno fértil para o processo criativo, inerente à capacidade e inteligência do Homem enquanto ser cocriador. Ela pode ser um vento rápido que sopra e coloca algumas coisas no seu devido lugar, mas nunca um furacão que torna sua vida um verdadeiro caos. Mas é o que muitas vezes deparamos com o vento: se pode ir e voltar como a solidão, não raras vezes derruba, deixa as cicatrizes na alma e na vida…
Na casa de cada homem está muitas vezes a sua solidão. Pode andar com os outros, mas está só na medida em que a casa da sua solidão tanto existe no momento de perda como quase sempre no encontro consigo.
Tal como a solidão, o vento está em toda a parte, mas em troca traz outros tipos de ventos: os da solidariedade na CONDIÇÃO HUMANA, o despertar de consciências – subtemas tão caros à nossa grande Poeta Graça Pires –, num bouquet de várias histórias poéticas cujas flores despertam e dispersam aromas vários.
O ESTILO
A sensibilidade poética define-se pelo estilo que caracteriza o autor. É indelevelmente a marca do seu Eu.
Hoje, estamos perante uma exímia amante da palavra, uma purista da linguagem no panorama literário actual, pelo seu perfeccionismo e depuração linguística.
A autenticidade do que escreve e o seu estilo, são o reflexo da personalidade da autora, caso contrário não se reconheceria como único, na coerência entre o Eu e a Obra.
A poesia é “o murmúrio daqueles que não ousam afirmar em voz alta as suas emoções íntimas, é um modo velado e até sofrido de comunicar, revelando-se muitas vezes o” grito” de quem não se conforma com o mundo em que participa. É o modo mais complexo e mais sintético da expressão do espírito humano. Ela veicula o sonho e é uma via para alcançar o inatingível, essencial à existência humana e tem a incumbência de dar resposta a situações concretas do quotidiano.
E é o que encontramos nesta obra de Graça Pires. Ela estimula o trabalho da linguagem enquanto delapida o diamante que faz de cada poema.
E tanto a sua linguagem como a mensagem poética são ímpares.
CONTEÚDO
Na sua obra “ A Solidão é como o Vento”, Graça Pires percorre a tragédia da vida do Homem, já que a vida é um palco onde os actos se desenrolam, com todos os cambiantes inerentes à solidão, na representação de cenas de agruras, incompreensão, saudades, solidão, no inconformismo silencioso com que a sociedade tantas vezes pactua, deixando-nos a amargura num “sarro de vergonha”.
Podemos considerar vários sub-temas abordados nesta belíssima obra e tão caros à nossa Poeta com as vertentes intrínsecas à condição humana nas mais variadas solidões:
a mulher e a tragicidade de sua vida/ a solidão conjugal / os sem abrigo, na fragilidade da sua condição / os “errantes” da vida que se deixam viver como “trevos rasteiros” / a migração e sua condição precária / mas também a natureza num todo harmonioso como refúgio no estar só.
A solidão, é acompanhada do tom silencioso na personagem de cada história-poema. Desde amores que um dia se cruzaram “com golpes migrantes e cada momento do olhar”, à mulher que nunca foi menina, “pelo trabalho que se instalou na orfandade das suas mãos”.
É no contexto do universo familiar que a mulher protagoniza muitas das histórias: ela é a canção abafada neste vento silencioso que se deixa ouvir, quer pelas marcas do tempo, quer pela recordação e dor contidas com “os limites da solidão a perfurar-lhes o peito”, quer no “canto que é um brado” onde se misturam “as roseiras bravas com a aspereza das mãos”.
De notar o amplo conhecimento de Graça Pires nos mais variados aspectos da realidade feminina, de tal forma autênticos, como se os experienciasse a todos e cada um, desde a mulher-mar, à mulher-campo.
No papel de mulher-mãe, deparamo-nos com a beleza de um belíssimo poema na dor e saudade extensivas às violetas brancas de tal forma irmanadas no mesmo sofrimento que “Desde então, emurchecem desde que as apanha”.
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Todos sofremos de solidão. O homem é um universo povoado de solidões, qualquer que seja a sua viagem na vida.
A obra de Graça Pires disso é o exemplo no infortúnio de quem tem de deixar sua casa pela condição da sua idade ou outro, instalando-se a tristeza e incerteza somente amenizada pela companhia proibida até dos pássaros no parapeito da janela.
A terra e o mar constituem na maior parte das vezes o pano de fundo destas vivências onde Graça Pires nos envolve com a devoção pela Terra: mãe, origem e fim de alegrias e encantos, para depois, sem qualquer “azedume” voltar a ela porque dela fazemos parte.
É frequente a autora fazer um enlace numa moldura com a natureza e o amor, numa espécie de fusão com a terra, sendo esta, quase sempre, a testemunha da plenitude amorosa.
A Terra é uma espécie de paixão de que a autora é feita, pó que nos faz e cinzela e para onde vamos e que longe de ter uma conotação lúgubre, como lugar onde um dia nos diluímos, esta é, para Graça Pires a fonte de tudo o que nos rodeia, com a beleza, alegria e encanto com que nos acorda ao assomar à janela nas manhãs claras, com o vibrante das folhas e flores até ao poente rosado das estações, no ciclo das árvores como da vida. Daí a citação que ela repete e onde se revê:
“Não somos nós que regressamos (à nossa terra), é ela que um dia chega aos nossos corações." 'O Diário do Meu Pai', Jiro Taniguchi.
Está no homem esta atracção pela terra e o seu declínio (“quando o corpo se faz sombra”) no destino implacável de ser um dia parte do mesmo pó.
Canta-se o amor porque apesar de tudo e de todos os ventos, é condição da vida ser feliz – com o amor perenizado na felicidade mútua. E esta cumplicidade está projectada na admirável arte poética de Graça Pires onde todos os alvoroços da terra se fundem com o “TU”, no colorido do verde e no círculo das águas.
Contempla-se a beleza indescritível da Natureza no enlace total, abrangente, entre a terra a água e a luz, e é nesta catarata de assombros donde virá o sobressalto da primavera numa intensa explosão de um hino à criação, numa vénia e assombro pela terra, fonte e origem de toda a beleza, cadinho de renascimento numa transformação incondicional para que a Renovação seja vida.
Longe da mágoa e desassombro pelo infortúnio da caducidade humana, ela exalta -a porque ela é seu princípio e o seu fim.
*
Tal como um aprendiz, Graça Pires toma cada palavra-pedra, entalha-a e o poema nasce na escultura perfeita “onde até lhe adivinhamos o lado mais íntimo”.
E como numa apoteose da alegria de permanecer aqui, ela termina com uma história-poema de amor sublime, onde o Eu Poético encontra a afinidade no mesmo cansaço e de “de cacto murcho em cada mão”, despe a solidão, e saciando a sede mata saudades do mar. Uma narrativa em que a solidão se encontra com outra solidão.
É neste contexto que se encaixam as histórias-poema de Graça Pires. Todas são gritos de irmandade, preocupação, solidariedade pelas mais variadas condições humanas. São ventos, solidões e agitações que se vão curando com brisas de solidariedade.
Assim é a Poesia da nossa grande autora Graça Pires, com Palavras que têm a leveza do vento e a força da tempestade (Vitor Hugo).
Manuela Barroso