LUÍS FILIPE SARMENTO, 45 ANOS DE VIDA LITERÁRIA. AO RUBRO

Por Cecília Barreira* 

Perfaz este ano de 2020, 40 anos que eu conheci Luís Filipe Sarmento e as suas publicações poéticas. Poesia transbordante e única. Voz torrencial na poesia portuguesa nestes 45 anos de vida literária. Para comemorar estes 45 anos o lançamento para breve de Ao Rubro em um volumes extenso que contem desde a obra inicial até aos inúmeros inéditos. Foi num lançamento de um amigo comum que o vislumbrei pela primeira vez em 1980. Com o seu ar de filósofo e poeta total. Estudou na Faculdade de Letras de Lisboa. Eu em História. Ele em Filosofia. Jornalista, tradutor, ligado à televisão. No memorável programa Acontece, LFS fez a primeira experiência de vídeo livro. Em 1975 estreia-se com A Idade do Fogo. Mas também pontuou na ficção em Crónica da Vida Social dos Ocultistas (2000, 2007 e 2015) ou em Ser tudo de todas as Maneiras, ensaio e antologia da obra de Fernando Pessoa (2012). Na ficção também Operação Ulisses de 2019. No Botequim da Natália Correia LFS era presença assídua. Eu também. Ficámos amigos. Nestes 40 anos de amizade com LFS, nunca o perdi de vista. Fui praticamente a todos os lançamentos. Em 2019 o extraordinário KNK. Kafka, Nietzsche, Kant. Uma triangulação de evidências e opacidades. A Filosofia dos grandes nomes de sempre estão presentes visceralmente na obra de LFS. Quando se questiona sobre a morte de Deus, o autor conjuga a ideia de labirinto com a de transcendência. A página pessoal de escritor no Facebook é visitada diariamente por milhares e milhares de pessoas. Numa antevista que deu em 2018 a José Nunes referencia a questão mais poderosa do poder dos computadores, não tanto a ajuda na escrita, mas a capacidade de apagar, ideia que foi buscar a José Cardoso Pires de quem foi amigo. Também nota como se foi transformando lentamente de um noctívago inveterado a um diurno que tanto aprecia o despontar do dia. Fala das paixões da vida, seja das paixões carnais, seja do cinema ao teatro, à arte, à gastronomia. Um passional lúcido e filosófico. Estive poderosamente a ler o volume de Ao Rubro que tão simpaticamente me enviou em formato word. Curiosamente uma constatação estranha: LFS quase passa pela cena literária portuguesa sem angariar prémios. Porquê? Não faço ideia. Complacências ou não complacências com os poderes instituídos? Referenciação fundamental nestes 45 anos, LFS não é ignorado na sua rasgante singularidade de Poeta feroz, Filósofo e Inquietação. Mas não é premiado. Estranhezas dos meios literários onde sempre os mesmos têm prémios. Mas haja esperança. Como há mais casos de ilusórias distrações com outros nomes, só posso falar em displicência. Pode ser que as coisas um dia mudem. Retornando a Ao Rubro: Logo em 1975 a jactância destes versos: “ (…) Lisboa navegava nos líquidos dispersos de garrafas perdidas numa festa de aromas, de esperma e de escravos, de suores e cravos e eu olhava-a por dentro das pálpebras e reconhecia o infinito como na primeira noite de galopes suados em cama vagabunda”. Ou “Possuir dezoito anos, hoje, e sermos recebidos nas fissuras da terra, nas grutas alucinadas e bebermos o champagne das pedras incandescentes que aplaudem os vibráteis corpos que se desenham em cada descoberta do gesto e do prazer, é como descobrir que afinal o Universo existe sem Deus”. Discurso poético de força inigualável em 1975. Discurso de inovação e desfragmentação. Dando um pulo visceral no tempo, transcrevo excertos de um excerto de Casa dos mundos Irrepetíveis de 2016: “Convido-te ao sabor do pão, tão nosso, mas não queiras ocupar as searas tão rebeldes como o espírito que anima estas terras douradas que jamais te pertencerão. Ainda que ameaces com o teu poderio económico, com as tuas armas químicas, com os teus exércitos de malfeitores, não tens o código genético do Sul, do Sol, do Sal, da Saudade”. Voz de liberdade, sem donos de qualquer espécie. Voz única de esplendor e emergente filosofia. Voz que denuncia a manipulação, o domínio e as vinganças ignaras. Voz potente. 45 anos de intervenção literária. O lado profano de um Poeta sem medo. Um Poeta Ao Rubro.

*Centro de Humanidades / Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa