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Ancorado na farpa poética de O’Neill, este último livro de Maria Toscano — o seu 33.º livro de poesia a sair a público — une textos escritos entre 2008 e 2021, abalançando-se a autora alentejana com outra tríade na abordagem do tema ‘SUL’, talvez o tema mais transversal a toda a sua obra. Desta feita, na glorificação do ‘SUL’ por Maria Toscano — ‘coube-me um enxoval de Sul’ (poema da página 55) —, reencontramo-nos com ‘SAL’, entrando em cena, agora, ‘CAL’.
Desengane-se o/a leitor/a; não se está perante um, digamos, ‘saneamento topóico’: nesta obra — a que Poética Edições dá forma no duplo sentido de forma-voz e de formalização como livro físico — mantém-se ‘SOL’. É o elemento de ligação interna (poética e formal) entre ‘SAL e ‘CAL’, se bem que comece por ser a primeira vibração emocional, pois a cor da capa do livro é um ‘amarelinho’ que pode levar-nos até à claridade luminosa da luz do ‘SOL’ do ‘SUL’ e, claro, até às casas do Alentejo — embora barradas a um amarelo mais ‘torrado’.
Nem texto irónico, nem bucólico ou romântico, pese embora a (orgulhosa?) menção a termos e práticas queridas a alentejanos e todos os amantes do sul da península ibérica. ‘SAL’ e ‘CAL’ são materiais declinados como as palavras do latim, na busca de tudo alcançar no/do ‘SUL’ e, assim, tudo deixar em aberto, como a Vida.
Há um ponto de vista assumido na obra, uma convicção inegociável, a par de se afigurar também como um lastro de esperança no que está por construir: a Vida está por fazer, a Vida está nas mãos de cada pessoa e ‘Sem Amor a vida viva está perdida’ – título do primeiro poema externo às cinco grandes partes que compõem a obra. Devido a esta convicção inegociável é que ‘SAL’ e ‘CAL’ são abordados nos seus antagónicos usos, por exemplo, desde o tempero e os sabores-sentidos (‘SAL’), ou desde a beleza e higiene-traço cultural (‘CAL’), até aos rituais de matar ou ajudar a morrer com dignidade – prática de deitar ‘CAL’ nos corpos antes de fechar os caixões; prática de queimar ou eliminar o mal, recorrendo ao ‘SAL’.
Desafio ao leitor: tomar o primeiro poema como uma interrogação e, conhecida a obra, relê-lo com o intuito de dar-lhe a sua resposta. Ou seja: se os Restolhos (último poema, nas páginas 89-90) forem mesmo ressentidos enquanto “...resguardo da trança da entrega / libertária. livre onda de mar.”, talvez a utopia de ‘Sem Amor a vida viva está perdida’ possa devir compromisso entre pensar, dizer, sentir e fazer, quer dizer: talvez a poiesis possa reafirmar-se como o maior repto da Vida.
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no princípio foi um verbo nascituro:
vir à luz para erguer-se em dois meros membros.
foi pousar plantas dos pés no chão escuro
para aprender a equilibrar todas as partes
todos os lados ângulos metades
– aprender aceitar ser. multiplicidade.
(excerto do poema "líquidos águas seivas sais e imaginações", p. 11)
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Maria Toscano foi levada a nascer no Sul alentejano de Portugal (Campo Maior, Maio/63); tem formação informal em música, voz e canto, assim como em teatro, neste caso materializada em 10 anos de experiência no teatro académico. É Socióloga desde 1986 (ISCTE, Lic; Mestrado, 1993, Universidade Nova de Lisboa, FCSH; Out/2010, ISCTE, Doutoramento). Desde 1989, como professora universitária, formadora e investigadora social, trabalhou com mais de 13.000 formandos/alunos. Aprofunda as narrativas biográficas sempre centrada no modo como as pessoas constroem a mudança social e a sua própria mudança, tendo, desde 2008, desenvolvido a abordagem epistemo-metodológica ‘compreensiva-qualitativa’ e o método da escrita como praxis analítica - Processos de Requalificação Sócio-Identitária: “como se dá a volta por cima?” [ISCTE, Repositório: http://hdl.handle.net/10071/ 2833]. A par, desenvolve a escrita académica em várias línguas (ES, IN, FR): recensões, artigos, dissertações/teses - ORCID 0000-0002-2363-8766. Desde 2018, como Trainer e Coach em Programação Neurolinguística, vem aprofundando os seus cursos e oficinas em torno da Comunicação em Público.
Começou a escrever poesia aos 11 anos, numa actividade diária desde Abril/1975. E em 1997 estreou-se na publicação e contabiliza hoje editados 32 livros de poesia e 1 romance, podendo destacar-se: do Vagar e da Memória (Palimage ed, 1997); as palavras contidas (Minerva Coimbra, 1998); A Artesã do Desengano (Grácio editores, 2003); digna irreverência, brava comoção. 22 anos, 22 poemas / digna irreverencia, aguerrida conmoción. 22 años, 22 poemas. Antologia pessoal bilingue relativa aos 22 anos de carreira literária. (2019. Edições Labirinto, Espanha. Tradução: Jacqueline Alencar).
Membro da Associação Portuguesa de Escritores, tem participação editorial em revistas (Fórum Sociológico, InComunidade, Athena). Pratica a escrita literária em várias línguas e, regularmente, desenvolve, quer a escrita directa em castelhano, quer a tradução em revistas e páginas de poesia virtuais: Althazor, 2023; La Orilla Oscura Ediciones, 2024; Revista Intercultural Dos Orillas, 2025. Performer: desde 1990 até hoje, criou 30 Espectáculos de Leitura Encenada da sua poesia e canto a Capella: Piaf, Fado, World Music.
Tem experiência de rádio: anos 70, anos 80 e 2017. Geriu vários blogues nos anos 90; posteriormente, vem dinamizando e gerindo grupos, e páginas virtuais; e, recentemente, cria ‘ferramentas com poesia’ nos seus canais/páginas virtuais.
Vem dinamizado oficinas, programas oficinais e cursos quer de desenvolvimento pessoal (PNL; sociologia de intervenção, PRSI), quer de acção criativa (leitura; escrita; postura e respiração; terapia multidimensional). Estas oficinas, programas e cursos destinam-se a trabalho pessoal ou com equipas-grupos, e adequam-se a adolescentes, assim como a adultos e seniores.
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Edição: Maio de 2025 | Páginas: 102 | Encadernação: capa mole | Formato: 12cmx22cm | ISBN: 978-989-9241-12-1